O mobiliário é mais do que simplesmente objetos funcionais; ele é um reflexo das mudanças culturais, sociais e econômicas de uma época. No Brasil, a evolução do mobiliário ao longo dos anos é marcada por uma rica história, com períodos distintos que refletem as influências de diferentes estilos e movimentos. Um período de destaque é a metade do século XX, entre 1950 e 1975, quando o país passou por transformações significativas, refletidas não apenas na sociedade, mas também na arquitetura e no design.
Contexto histórico e arquitetônico:
O período entre 1950 e 1975 foi marcado por mudanças sociais e políticas no Brasil. Um evento de destaque foi a inauguração de Brasília, a nova capital, em 1960. Esse evento não apenas simbolizou a modernização do país, mas também influenciou a arquitetura e o design de interiores.
Le Corbusier é um arquiteto que inspirou em todo o mundo a Arquitetura Moderna. Até hoje, seus cinco princípios são levados em consideração por muitos estudiosos e praticantes do movimento. São eles:
Fachadas sem divisórias e abertas a público, deixando o espaço mais democrático;
Ambientes integrados que interagem entre si;
Terraço-jardim;
Iluminação ampla com janelas que cobrem toda ou parcialmente a fachada;
Pilotis que substituem paredes estruturais, deixando o espaço mais amplo para circulação.
Arquitetos modernistas, como Oscar Niemeyer, tiveram um impacto profundo nesse período, com suas abordagens ousadas e inovadoras, deixaram um legado duradouro, tais como:
Affonso Eduardo Reidy: reconhecido por seu trabalho na construção do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Reidy é considerado um dos pioneiros na introdução da arquitetura moderna no Brasil.
Lúcio Costa: além de ser o urbanista responsável pelo plano piloto de Brasília, Lúcio Costa teve um impacto significativo no design de móveis. Sua abordagem arquitetônica inovadora, que valorizava linhas limpas e proporções equilibradas, encontrou reflexo em peças de mobiliário contemporâneas.
João Batista Vilanova Artigas: como arquiteto, destaque para o estádio do Morumbi em São Paulo, e professor, Artigas desempenhou um papel fundamental na formação de uma nova geração de designers e arquitetos. Sua abordagem funcionalista e o uso criativo de concreto influenciaram tanto a arquitetura quanto o design de móveis, promovendo a estética moderna.
Sérgio Bernardes: Além de projetar edifícios inovadores, Sérgio Bernardes também criou móveis que refletiam sua visão arquitetônica. Suas peças eram conhecidas por suas linhas limpas e materiais simples, incorporando a estética moderna ao design de interiores.
Paulo Mendes da Rocha: Com um foco na experimentação de materiais e na exploração de estruturas, Mendes da Rocha deixou um impacto profundo na arquitetura brasileira. Sua influência se estendeu ao design de móveis, incentivando a busca por formas originais e soluções criativas.
Rino Levi: Como um dos pioneiros do modernismo no Brasil, Rino Levi contribuiu para a transformação do design de móveis, adotando uma abordagem funcional e minimalista. Sua visão arquitetônica inspirou móveis que combinavam beleza estética com propósito prático.
A contribuição desses arquitetos transcendeu os limites da arquitetura, influenciando diretamente o design de móveis e o ambiente doméstico. Suas ideias inovadoras, enraizadas no modernismo, moldaram o modo como os brasileiros vivem e interagem com os espaços ao seu redor. O mobiliário criado nesse período não apenas refletiu uma mudança de estilo, mas também incorporou valores de funcionalidade, simplicidade e experimentação.
A transição de estilo do mobiliário:
Durante os anos 1950, 60 e 70, houve uma transição significativa dos estilos de mobiliário anteriores, como os coloniais e provincianos, para um design mais moderno e funcional. O período colonial e os estilos barrocos enfatizavam a ornamentação detalhada e o uso de materiais pesados e escuros. No entanto, com a influência do modernismo, os móveis começaram a adotar linhas mais limpas, menos ornamentadas, mescla de madeiras com outros materiais industriais, dimensões menores e funcionalidade prática.
Neste período, houve o surgimento de talentosos designers brasileiros que deixaram uma marca duradoura no mundo do mobiliário. Um dos nomes proeminentes é Sérgio Rodrigues, conhecido por sua abordagem inovadora e pelo uso de madeiras nativas. A poltrona "Mole" é um ícone desse período, caracterizada por suas formas orgânicas e estofamento generoso. Lina Bo Bardi, arquiteta italiana radicada no Brasil, também teve um impacto profundo. Sua poltrona Bowl, por exemplo, incorpora elementos modernos e materiais simples. Além disso, Joaquim Tenreiro, com seu foco na funcionalidade, acabamentos impecáveis e nas formas elegantes, contribuiu para a transição do design de móveis no Brasil. Além dos designers mencionados anteriormente, vários outros artistas notáveis contribuíram para a evolução do mobiliário moderno no Brasil. Suas abordagens criativas e inovações estéticas ajudaram a definir a identidade do design brasileiro. Aqui estão mais alguns nomes importantes:
Oscar Niemeyer: Como um dos arquitetos mais renomados do Brasil, Niemeyer teve um papel crucial na definição do modernismo brasileiro. Sua abordagem arquitetônica influenciou indiretamente o design de móveis, incentivando formas fluidas e orgânicas. Niemeyer colaborou com outros designers, como Sérgio Rodrigues, para criar peças icônicas que refletiam sua visão arquitetônica única.
Zanine Caldas: Reconhecido por sua maestria em trabalhar com madeira e suas criações arrojadas, Zanine Caldas desafiou as convenções ao combinar técnicas tradicionais de marcenaria com formas modernas e funcionais. Seus móveis exibem uma elegância simples e uma preocupação com a beleza natural da madeira.
Geraldo de Barros: Um artista multidisciplinar, Barros desempenhou um papel crucial na transição do design brasileiro para abordagens mais minimalistas. Ele explorou a interseção entre a fotografia, a pintura e o design de móveis. Suas peças são conhecidas por sua simplicidade geométrica e pela aplicação criativa de materiais, como ferro, fórmica e madeira.
Jorge Zalszupin: Designer de origem polonesa, Zalszupin contribuiu para a cena do design brasileiro com móveis marcados por linhas limpas e acabamentos sofisticados. Suas criações eram frequentemente associadas à funcionalidade e à ergonomia, e ele fundou a renomada fábrica de móveis L'Atelier para produzir suas peças exclusivas.
Jean Gillon:, reconhecido por sua habilidade em combinar a cultura tradicional puramente brasileira com a madeira nobre em peças belíssimas que foram batizadas com nomes de regiões e da cultura brasileira, como as poltronas "jangada", "saci", "amazonas", dentre outras.
Percival Lafer: Este designer criou peças que combinavam madeira e metal, com um toque de influência escandinava. Sua mesa de centro com tampo de vidro e base em X é um exemplo notável de sua abordagem inovadora.
Carlo Hauner e Martin Eisler: Essa dupla de designers, de origem estrangeira, desempenhou um papel importante na introdução de influências internacionais no design brasileiro. Eles colaboraram para criar móveis sofisticados, muitas vezes com elementos de tecelagem e couro.
Scapinelli: O designer Giusseppe Scapinelli é lembrado por suas criações únicas, que frequentemente exploravam formas bastante orgânicas. Sua abordagem artística influenciou o design de móveis de maneira distintiva.
Mauricio Klabin: Klabin, além de seu trabalho como arquiteto, também projetou móveis e luminárias com ênfase na simplicidade e funcionalidade. Suas peças refletiam um estilo limpo e elegante, com foco na qualidade dos materiais.
Legado para o Design contemporâneo:
O legado do mobiliário da metade do século XX no Brasil é inegavelmente presente no design contemporâneo. A abordagem mais funcional e minimalista adotada por designers como Sérgio Rodrigues e Lina Bo Bardi influenciou gerações subsequentes. A ênfase na experimentação com materiais, a valorização da simplicidade e a harmonia entre forma e função se tornaram princípios fundamentais no design de móveis contemporâneo.
Muitos dos designs emblemáticos desta época se tornaram referências definitivas para o design contemporâneo.
A influência destes arquitetos e designers é indiscutivelmente imortalizada nos móveis contemporâneos no Brasil e no mundo. Suas contribuições não apenas marcaram uma transição estilística, mas também incorporaram uma mentalidade inovadora que valoriza a simplicidade, a funcionalidade e a estética atemporal. As peças icônicas criadas durante essa época continuam a inspirar designers a explorar novos materiais, formas e abordagens, mantendo viva a tradição de excelência do design brasileiro.
E justamente por ser esta influência definitiva, o mobiliário moderno original “antigo” das décadas de 50, 60 e 70 está cada vez mais em voga, atemporal e complementando os lares e espaços em pleno convívio com os móveis “novos”, com o diferencial de que os valores histórico, cultural e até monetário de uma peça de mobiliário original assinado e produzida na metade do século XX são infinitamente superiores aos móveis atuais.
Conclusão: A evolução do mobiliário no Brasil, especialmente durante a metade do século XX, reflete não apenas uma mudança de estilos, mas uma transformação cultural e social. O período entre 1950 e 1975 foi um momento crucial na história do design de móveis no Brasil, marcado pela influência da arquitetura modernista, pela inauguração de Brasília e pelo surgimento de designers visionários. As contribuições desses designers demonstram a profundidade e a complexidade do cenário criativo da época e a transição na evolução da estética para um design mais funcional e minimalista deixaram um legado duradouro no design contemporâneo de móveis, influenciando gerações futuras e continuando a moldar a estética do Brasil e além.
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